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CARTAS DE INGLATERRA

Como o nosso Evangelho, a palavra de Mahomet vae-se tornando objecto de poesia, de commentario, de controversia. Ha Renans no Islam; e o verbo divino, uma vez analysado, deixa de inspirar a fé que leva á morte.

O mundo mussulmano está no seu seculo decimo-terceiro, na sua plena meia edade, e certamente ha muito beduino sob a tenda, tão crente, tão penetrado de Mahomet, como aquelles corações simples, que, ainda ha pouco no deserto dos nossos claustros, choravam ao ler a paixão de Jesus; mas não creio que mesmo esses patriarchas deixassem os seus oasis, os seus rebanhos, os seus harens, para virem gratuitamente, sem outro pret a não ser o sorriso das houris nos jardins do Paraizo, supportar o fogo dos canhões Krupp. E emquanto ás classes cultas de Constantinopla, do Cairo, de Smyrna, de Tunis, essas acreditam tanto na promessa das houris, como nós outros, aqui em Regent-Street, nas palmas verdes da Bemaventurança e no côro dos Serafins...

Por todo o universo a religião desapparece das almas; e apenas lá fica essa vaga religiosidade, feita em parte do abalo que deu ao nosso coração uma tão longa sujeição ao sobrenatural, em parte do confuso terror que impera n’este grande universo que nos cerca, tão simples e tão mal comprehendido. N’este estado negativo, de passividade na duvida, não