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CARTAS DE INGLATERRA

com intensidade, caminha-se com impeto, deseja-se com furor; a besta humana inflamma-se: quer-se alguma coisa de forte e de animal, a lucta, o excesso, a gula, o abrasado do cognac, a paixão. Londres n’uma noite de inverno, exhala violencia e crime. E póde-se affirmar que em cada uma das tipoias, que, aos milhares e aos milhares, passam como flechas, n’um relampejar rubro de lanternas, vae um cidadão ou uma cidadã commettendo ou preparando-se para commetter, com excepção da preguiça, um dos sete peccados mortaes.

De uma coisa se póde ter a certeza: é que não ha de faltar, aos que vão fazer o seu inverno a Londres, assumpto de cavaco. Além dos livros que se annunciam, dos escandalos que não hão-de faltar, das modas que sempre se inventam, a politica, só por si, é todo um ramalhete; revolta certa na Irlanda; processo por alta traição dos chefes da Liga da Terra, deputados da Irlanda; nova guerra no Afghanistan, onde Cabul se insurreccionou; toda a Africa do Sul em rebellião; complicações sinistras do lado do Oriente; desintelligencias estridentes entre os radicaes no poder... Emfim, um encanto.

Era em circumstancias identicas que o famoso Granville, o homem das Memorias, olhando n’um começo de primavera para todos os lados do horizonte politico e social, e não vendo (em 1830) senão