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CARTA DE GUIA DE CASADOS
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senhora de tôdas ; de nenhuma seja amiga, com nenhuma se mostre companheira.

Certo que hei de contar a v. m. (conto-lha, não lha inculco) em segrêdo uma história : Dizia-me uma grande senhor muito discreto, e gentil político ; que assim como sua mulher se declarava em favorecer uma criada mais que as outras, se era môça lha galanteava logo, até que a bôa senhora, a puros ciúmes, a lançava de seu serviço, ou pelo menos de sua valia ; e se vélha, lha comprava com dinheiro, e mercês, de maneira que também por suspeitosa e descompunha. Eis tudo revôlto, e à vontade do marido. De sorte que com tal destreza se havia, que nunca vira a sua mulher três dias particularizar-se mais com uma criada que com outra. Tenho-o por demasiada astúcia ; mas êle fazia muito caso desta tretá. Fique dito, não aconselhado.

Pois estamos aqui, digamos o que àcêrca de criados se oferece que advertir. Se fôr alguma cousa mais prolixo, saiba v. m. que de propósito me detenho, porque julgo êste ponto por um dos mais principais à honra e paz dos casados.

Mulheres, que são como o rio Nilo, a quem se não sabe o nascimento, e tôda sua corrente, fugir, senhor, delas como dos próprios crocodilos, que dizem leva êsse rio. Há umas que dão em ter dons ; outras que se prezam de nobilíssimas (e praza a Deus que não seja por afinidade). Muitas que se vendem por filhas bastardas de fulano, e fulano, as quais (se o são) sendo mal criadas ao bafejo das mães, são pouco a propósito para bôas criadas ; algumas que se introduzem por descasadas ; algumas que se lhes foram há tantos anos seus maridos para a Índia, e nada daquilo é seguro, e apenas é certo.

Estas costumam ser discretas músicas, comedian-