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Página:Casa de Pensão (1899).djvu/232

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horas de sonho; mas, em todo o caso, a consciência nunca me acusaria, o coração jamais se teria de maldizer!

— Vês?! disse ela, esfolegando cansada de falar. — É por isso que até hoje me tenho portado deste modo contigo; é por isso que domo os meus impulsos e os meus arrebatamentos! — Sou de outro, não me possuo, não posso dispor disto!

E sacudia todo o corpo, com uma obstinação provocadora e canalha.

Amâncio olhava para ela, mordendo os beiços:

— Se é verdade que me queres possuir... disse a intransigente, depois de uma pausa em que se ouvia a respiração dos dois. — Arranca-me das mãos de meu marido e leva-me para onde bem quiseres, faze de mim o que entenderes! Serei tua amante, tua companheira, tua escrava; serei tudo que ordenares, contanto que eu tenha comprado com o risco de minha vida a felicidade de nós ambos!

E Lúcia, agitando romanticamente os cabelos, que ela por cálculo trazia soltos essas noites, perguntou com ímpeto:

— Compreendes agora a minha reserva?! Compreendes que, apesar de minhas reclusas, eu te adoro, meu Amâncio, meu amor, minha vida?!

— Entretanto, acrescentou ela, quando se convenceu de que Amâncio não queria cair no laço — tenho fatalmente de abafar todos os meus sentimentos, tenho de calcar todos os meus desejos, porque amanhã nos separamos.

Amâncio ergueu-se, pasmado.

— Como nos separamos?... interrogou.

— Eu amanhã retiro-me desta casa... esclareceu Lúcia, sem erguer os olhos. — Vou, e ainda nem sei