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PEDRO PICHORRA
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sacy! — suggeriu dentro delle o medo. E o menino, retranzido, vê de repente, no barranco, um sacy de braços espichados, barrigudo, «com um olho de fogo que passeava pelo corpo».

— Nossa Senhora da Conceição, valei-me!

Assustado por aquelle berro o «olho do sacy voou pelo ar, piscando»...

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Pedrinho bateu em casa de cabellos em pé, olhos a saltar. Agarrou-se com o pae, tremulo e sem fala. A custo desatou o nó da lingua.

— O sacy, pae!....

— ?

— P'ra cá da figueira... na curva... Barrigudinho... preto...

O pae deu-lhe agua na cuia.

— Beba. Socegue um pouco, menino.

E depois d'uma pausa:

— Você está bobeando, Pedrinho. Não ha sacy destas bandas.

— Juro, pael Por Deus do Céo que vi!

E contou a viagem por meudo até á apparição.

— Altinho? Pretinho? — indagou o pae.

— Pretinho era, mas chatola, barrigudo, assim como uma pichorra grande.

— Então não é sacy — concluiu o velho, entendidissimo que era em demonologia. E depois:

— Fedeu enxofre?

— Não.

— 'ssobiou?

— Não.

— Mexeu do logar?

— Não. Só o olho. O olho andava e voava.

O caboclo reflectiu um boccado até que por fim uma idéa lhe illuminou a cara.

— Onde foi isso — p'ra cá do corguinho?

— E'.....

— No barranco?

— Justamente....

— O olho andou e depois voou, piscando?

— Tal e qual....

— E o corpo ficou parado?

— Isso mesmo....

O velho clareou a cara, desmanchando as rugas da testa, e disse, rindo;

— O que mais não se aprende neste mundo!... Sabe o que você viu, menino? Você viu o sacy-pichorra....

E mudando de tom, depois de reflectir durante um bom par de minutos:

— «Quedelle» a faca?

— P'ra que? perguntou o menino, desconfiado.

— Deixe ver, dê cá a faca.

Pegou della e pôl-a á cinta. Depois, rispido:

— Vá dormir.

Pedrinho, comprehendendo a degradação, ergueu-se, com lagrimas nos olhos.

— E a faca? perguntou.

— Fica commigo. P'ra você, porquerinha, é canivete marca anzol ainda.

E com infinita ironia:

— Vá dormir, Pedro... Pichorra!..

O menino recolheu-se, sacudido de soluços. O velho pegou do borralho um tição e accendeu na braza viva o cigarro. Baforou uma fumaça com o pensamento no fallecido sogro, Chico Vira, o caboclo mais poltrão da Estiva.

— Por quem havia de puxar o Pedrinho, pelo Chico Vira....