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AS SEIS DECEPÇÕES

as armas — razão por que vieram mudos até meio caminho. Alli a necessidade d'uma explicação definitiva desatou a lingua ao mais impaciente dos tres.

Das Dores, com habil manha, quebrou o gelo.

— Os presepes este anno dizem que estão lindos! O da Nhaninha Calabró é todo de botões e conchas. O da Fidencia tem tres monjolos que não param.

Tonico, percebendo o truque, contraveiu, despotico..

— Isso é si fossemos aos presepes. Vamos mas é ao circo.

— Sem licença de mamãe, Tonico que é isso?... insinuou Maisé, entrincheirando-se para o combate.

Antonico bravateou.

— Qual mamãe! Quem manda aqui sou eu e como eu vou, vão vocês tambem.

— Vocês é sucia, que eu não vou.

— Nem eu, secundou Maisé.

— Veremos.

Calaram-se de novo. A questão clareava em parte. Só Maisé conservava occulta a sua idéa, fiada na victoria do tercius. Uns minutos passados, das Dores atirou novo bóte.

— Escavallinho! — disse, com bico de desprezo — uma coisa que ha sempre; presepe, ao menos, é uma só vez no anno.

— Mas é sempre a mesma bobagem, obtemperou Tonico; quem viu um, viu todos. Uma folharada de mato. Para ver mato não é preciso vir á cidade. Escavallinho, sim! Companhia boa! Só o homem que come fogo...

Das Dores casquinou uma risada de escarneo.

— Olha o bobo que acredita nessas coisas, tamanho moço! Aquillo é fogo de mentira que até eu como!

Maisé veiu em seu auxilio com argumentos novos.

— Escavallinho é divertimento de gentinha, negrada, moleques.

Tonico esbravejou que era mentira, que lá ia muita gente boa, a familia do dr. Moura não perdia uma noite, e quanto ao homem que comia fogo, comia-o de verdade. Ellas é que eram umas bobas.

Houve nova pausa. Avistavam já a torre da matriz. Mais cinco minutos e estariam em casa das Franças. Urgia, portanto, liquidar a divergencia. Maisé julgou azado o momento para a sua cartada.

— Pois ha um meio: em vez de irmos aos presepes ou ao circo, vamos ao baile do Recreativo.

Os outros perceberam-lhe incontinenti o manejo e Tonico rompeu.

— A lambeta quer ir sapecar com o Vivi, não é? Uma óva!

E, categorico, escandindo as palavras:

— Eu vim pa-ra ir ao cir-co.

— E eu pa-ra ver pre-se-pes.

— E eu pa-ra o sa-ráu. Se vocês não querem ir ao saráu eu volto d'aqui.

Maisé parou, firme e imperiosa. Pararam os tres. Entreolharam-se com olhos raivosos.

— Se não se resolvem a ir ao circo eu...

— Eu, que?

— Eu volto para casa.

— Pois tambem eu volto, porque vim para molecagens.

— Você é uma sirigaita!

— E você um ranhento que quer ser gente!

Embezerraram. Tonico na frente endireitou a largos passos para a chacara.

As irmãs seguiram-no. Preferiam privar-se da antegosada festa a ceder um palmo de terreno.