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O ROMANCE DE CHOPIM
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commentario da esposa, não se limitava a dar-lhe ouvidos, dava-lhe olhos tambem.

— Os chopins, proseguiu o meu cicerone, são homens falhos, ratés da virilidade — a moral, está claro, que a outra lhes é indispensavel ao bom desempenho do cargo.

— Cargo?

— Cargo, sim. Elles desempenham o cargo importantissimo de maridos. Em troca disso as esposas ganham-lhes a vida, dirigem os negocios do casal, desempenhando todos os papeis attribuidos aos machos. Taes mulheres apenas fazem aos maridos a concessão suprema de engravidarem por obra delles, já que lhes é impossivel a revogação de certas leis naturaes.

Quando a mulher vae á escola fica o chopim em casa, cocando os filhos, arrumando a sala, ou mexendo a marmellada. Ha sempre para elles uma recommendaçãozinha á hora da sahida para a aula.

— As vidraças da frente estão muito feias. Você, hoje, quando as Moreiras sahirem, passe um panno com gesso. (As Moreiras são as vizinhas da frente).

O chopim acostuma-se á submissão e acaba usando em casa as saias velhas da mulher, para economia de calças.

— Pára ahi, homem de Deus! Do contrario acabas contando a historia de um que deu á luz um creanço!.....


A fita chegára ao fim. Surgiu o gallo vermelho do Pathé, boleou o pescoço num có-ri-có-có mudo e sumiu-se para dar logar ao reaccender das luzes.

A mulher ergueu-se, espannejou-se e sahiu, seguida pelo chopim solicito. Acompanhamol-os de perto, estudando o caso, e na rua, depois que os perdemos de vista, o meu amigo retomou o assumpto.

— Em materia de chopins conheço um caso typico, que segui desde os primordios reveladores da vocação. Havia na minha terra um menino, de nome Eduardinho Tavares. Filho de tio e sobrinha, nascera sem tára apparente, a não ser uma extrema dubiedade de caracter, uma tímidez de menina — de menina do tempo em que a timidez nas meninas era moda. Especie de creatura intermediaria entre os dois sexos.

Em creança brincava de boneca de preferencia ás nossas touradas, ao jogo dos «caviunas», ao «pegador». Em meninote, emquanto os da sua edade descadeiravam gatos pela rua, lia elle Paulo e Virginia, á sombra das mangueiras, chorando lagrimas sentidas nos lances lacrimogeneos.

Fomos collegas de escola, e lembro-me que um dia nos appareceu lá com um papagaio de missanga verde, obra sura.

Eu, estouvadão de marca, ri-me d'aquillo e escangalhei com a prenda, emquanto o maricas, abrindo uma bocarra de urutáo, rompia num choro descompassado, como choram mulheres. Irritado, dei-lhe valentes cachações. Não reagiu, acovardou-se, humilhou-se e acabou feito o meu carneirinho. Só procurava a mim dentre cem companheiros. Acamaradamo-nos dahi por deante, o que me não impediu de o fazer armazem de pancadas. Por qualquer coizinha, uma cacholeta. Elle ria-se, meigo, e cada vez mais me rentava. Puz-lhe o appellido de Maricota.

Não se zangou, gostou até, confessando achar mais graça nesse nome que no de Eduardo.

Hoje eu estudaría esse typo á luz