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O LUZEIRO AGRICOLA

o dr. Grifado apeou da administrança. Sizenando deixou que transcorressem mais seis mezes, ao termo dos quaes se apresentou ao novo titular para lhe sondar a orientação. O novo ministro era um bacharel em sciencias jurídicas e sociaes, ex-chefe de policia e tão entendido em agricultura como em archeologia inca. Mas léra uns numeros das «Chacaras e Quintaes» e abeberára-se alli de umas tantas noções vagas sobre avicultura, polycultura, apicultura, criação de canarios, etc. Fez dessas uras o seu programma. No discurso de apresentação, ao empossar-se no cargo, emittiu os seguintes conceitos, louvadissimos pelos circumstantes, empregados no Ministerio quasi todos e verdadeiras hortaliças em materia agricola.

― A monocultura, senhores, é o grande mal; a polycultura é o grande bem; no dia em que produzirmos cebola, alho, batata, repolho, coentro, alpiste, alfafa, cerefolio, grão de bico, tremoço, quiabo, espargo, espinafre, alcachôfra...

(Um arrepio de enthusiasmo percorreu a espinha dos assistentes, que se entreolharam gososos, como quem diz: temos homem pela prôa!)

— ... cebolinho, couve-flor, sorgho, soja amarella, centeio, aveia, figos da Thracia, uvas de Corintho, violetas de Parma...

— Bravissimo!

— .... violetas de Parma... violetas de Parma... violetas (caroço) e outros cereaes europeus (vermelhidão no rosto), a prosperidade nacional assentará num soclo granitico do qual não a arrancarão as mais rijas rajadas dos vendavaes economicos. Conduzir a patria a essa Chanaan da polycultura: eis a mira permanente dos meus esforços, eis o meu programma, eis o fim supremo collimado pela minha actividade. Espero, pois, que, etc. etc,

Palmas, bravos, guinchos, silvos e outros sons denunciadores de enthusiasmo alçado a gráo de ebulição estrugiram pela sala. O ministro foi abraçado e beijado — nas mãos.

Aquelle saivava a pátria, não havia a menor duvida!

III

O novo ministro da Agricultura era positivamente uma aguia ― egual ás anteriores.

Tinha progtamma. Visava confundir a rotina monocultora com demonstrações praticas das magnificencias da polycultura mechanica.

Sizenando recebeu ordem de ir desempégar a centesima região do atascal da rotina. Aquella gente ainda vivia em pleno periodo da pedra lascada do café, e era mistér tangel-a á estação aurea da polycultura, da avicultura, da sericultura, da criação de canarios hamburguezes, etc., preluzida no discurso do ministro.

Chegando á séde do districto, com sequito numeroso e abundante farragem mechanica, Sizenando distribuiu convites para a inauguração d'um curso pratico. Escolheu para campo de demonstração um «rapador» a um kilometro da cidade, e lá, no dia emprazado, reuniu os convivas, Veiu o prefeito municipal, o porteiro da Camara, o collector federal, o promotor publico, tres jornalistas, quatro professores, o director do grupo escolar com a meninada, o vigario da parochia, o fiscal da illuminação publica, o zelador do cemiterio, o carcereiro, um guarda-chave da Cen-