Página:Collecção de autores portuguezes (Tomos I-IV).djvu/496

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que as imagens celestiais e a crença viva podem gerar, e achareis que estas não suprem o triste vácuo da soledade do coração. Dai às pai­xões todo o ardor que puderdes, aos prazeres mil vezes mais inten­sidade, aos sentidos a máxima energia e convertei o mundo em pa­raíso, mas tirai dele a mulher, e o mundo será um ermo melancólico, os deleites serão apenas o prelúdio do tédio. Muitas vezes, na verda­de, ela desce, arrastada por nós, ao charco imundo da extrema de­pravação moral; muitíssimas mais, porém, nos salva de nós mesmos e, pelo afeto e entusiasmo, nos impele a quanto há bom e generoso. Quem, ao menos uma vez, não creu na existência dos anjos revelada nos profundos vestígios dessa existência impressos num coração de mulher? E por que não seria ela na escala da criação um anel da cadeia dos entes, presa, de um lado, à humanidade pela fraqueza e pela morte e, do outro, aos espíritos puros pelo amor e pelo mistério? Por que não seria a mulher o intermédio entre o céu e a terra?

Mas, se isto assim é, ao sacerdote não foi dado compreendê‑lo; não lhe foi dado julgá‑lo pelos mil fatos que no‑lo têm dito a nós os que não juramos junto do altar repelir metade da nossa alma, quando a Providência no‑la fizesse encontrar na vida. Ao sacerdote cumpre aceitar esta por verdadeiro desterro: para ele o mundo deve passar desconsolado e triste, como se nos apresenta ao despovoarmo­‑lo daquelas por quem e para quem vivemos.

A história das agonias íntimas geradas pela luta desta situação excepcional do clero com as tendências naturais do homem seria bem dorolosa e variada, se as fases do coração tivessem os seus anais como os têm as gerações e os povos. A obra da lógica potente da imaginação que cria o romance seria bem grosseira e fria comparada com a terrível