Página:Collecção de autores portuguezes (Tomos I-IV).djvu/504

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as singelas e rudes instituições visigóticas, e já um código único, escrito na língua latina, regulava os direitos e deveres comuns quando o arianismo, que os godos tinham abraçado abraçando o evangelho, se declarou vencido pelo catolicismo, a que pertencia a raça romana. Esta conversão dos vencedores à crença dos subjugados foi o complemento da fusão social dos dois povos. A civilização, porém, que suavizou a rudeza dos bárbaros era uma civi­lização velha e corrupta. Por alguns bens que produziu para aqueles homens primitivos, trouxe‑lhes o pior dos males, a perversão moral. A monarquia visigótica procurou imitar o luxo do império que mor­rera e que ela substituíra. Toletum quis ser a imagem de Roma ou de Constantinopla. Esta causa principal, ajudada por muitas outras, nascidas em grande parte da mesma origem, gerou a dissolução política por via da dissolução moral.

Debalde muitos homens de gênio revestidos da autoridade su­prema tentaram evitar a ruína que viam no futuro: debalde o clero espanhol, incomparavelmente o mais alumiado da Europa naquelas eras tenebrosas e cuja influência nos negócios públicos era maior que a de todas as outras classes juntas, procurou nas severas leis dos concílios, que eram ao mesmo tempo verdadeiros parlamentos políticos, reter a nação que se despenhava. A podridão tinha chegado ao âmago da árvore, e ela devia secar. O próprio clero se corrompeu por fim. O vício e a degeneração corriam soltamente, rota a última barreira.

Foi então que o célebre Roderico se apossou da coroa. Os filhos do seu predecessor Vítiza, os mancebos Sisebuto e Ebas, disputaram­‑lha largo tempo; mas, segundo parece dos escassos monumentos históricos dessa escura época, cederam por fim, não à usurpação, porque o trono gótico não era legalmente hereditário, mas à fortuna e ousadia do ambicioso soldado, que os deixou viver em paz na própria corte e os revestiu de dignidades militares. Daí, se dermos crédito a antigos historiadores, lhe veio a última ruína na batalha do rio Críssus ou Guadalete, em que o império gótico foi aniquilado.

No meio, porém, da decadência dos godos, algumas almas conser­vavam ainda a têmpera robusta dos antigos homens da Germânia.