Página:Como se faz um Herói.pdf/17

Wikisource, a biblioteca livre
E-hum
Dossiê: O Mundo Antigo: Literatura e Historiografia

ISBN 1984-767X

Chegada a hora, rixas há na terra.

Chegada a hora, o rio sobe e traz a enchente,
A libélula flutua no rio,
Sua face olha em face o sol:
Logo a seguir não há nada. (...)

Os Anunnaki, grandes deuses, reunidos,
Mammitum, que faz os fados, com eles um fado fiou:
Dispuseram morte e vida,
Da morte não revelaram o dia. (10, 301-322)

Em resumo, a busca de Gilgámesh pela vida sem fim levou a nada. É preciso corrigir: levou sim a muito, ao aprendizado que faz de um simples herói um herói sábio, aprendizado que podemos entender se resume magnificamente na bela imagem da libélula levada pelas águas, metonímia de tudo que é efêmero sob o sol, mas nem por isso deixa de contemplar o sol. Nesse sentido, Ele o abismo viu poderia ser entendido, pelo menos em parte, como um representante da chamada literatura sapiencial tão comum no Oriente Médio, de que conhecemos exemplares sumérios, acádios e hebraicos.[1] Aparentemente desesperado – e quem já não experimentou a angústia de Gilgámesh diante da brevidade da vida? –, na verdade ele ensina ao leitor o segredo da libélula. Nas palavras da taberneira: goza dos prazeres da comida, da música e da civilização, faz amor, alegra-te com os filhos – e não te atormente a morte, que é só o fado do homem.

Como incisivamente escreveu T. S. Eliot, em Fragmentos de um agón, demonstrando a atualidade de um saber que atravessa mais de três milênios,

Birth, and copulation, and death.
That’s all, that’s all, that’s all,
o que podemos traduzir assim:
Nascer, copular, morrer:
Isso é tudo, isso é tudo, isso é tudo.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Texto e traduções:

BRANDÃO, Jacyntho Lins. Sîn-lēqi-unninni, Ele o abismo viu (série de Gilgámesh). Nuntius antiquus, v. 10, n. 2, p. 125-160, 2014. (contém a tabuinha 1)

GEORGE, Andrew R. The Babylonian Gilgamesh Epic. Introduction, critical edition and cuneiform texts. Oxford: Clarendon, 2003.

SANMARTÍN, Joaquín. Epopeya de Gilgameš, rey de Uruk. Madrid: Trotta/Barcelona: Publicacions i Edicions de la Universitat de Barcelona, 2010.

Outras obras:

ABUSCH, Tzi. Gilgamesh’s request and Siduri’s denial. In COHEN, M. E. et al. The Tablet and the Scroll: Near Eastern Studies in Honor of William W. Hallo. Bethesda: CDL Press, 1993. p. 1-14.

ABUSCH, Tzi. Gilgamesh’s request and Siduri’s denial. Part II: An analysis and interpretation of an Old Babylonian fragment about mourning and celebration. Journal of the Ancient Near Eastern Society, v. 22, p. 3-17, 1993.

ABUSCH, Tzvi. Ishtar’s proposal and Gilgamesh’s refusal: an interpretation of “The Gilgamesh Epic”, tablet 6, lines 1-79. History of religions, v. 26, n. 2, p. 143-187, 1986.

unibh
e-hum Revista Científica das áreas de História, Letras, Educação e Serviço Social do Centro Universitário de Belo Horizonte, vol. 8, n.º 1, Janeiro/Julho de 2015 - www.http://revistas.unibh.br/index.php/dchla/index

120

  1. Nota da transcrição: o PDF indica uma referência neste ponto, cujo texto não encontra-se no arquivo.