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disse: «Antes na mocidade», a aguia levou-a pelo ár fóra e foi deital-a na terra onde vivia o principe com quem tinha tratado o casamento. Clarinha não conhecia ali ninguem a não ser a rainha e o principe, mas não se podia fallar com elles sem requerimento, e ella não o tinha. Foi ter a uma padaria, e pediu para ser criada. A padeira tomou-a; indo um dia para fóra, deixou para Clarinha coser uma fornada de pão já amassado. A menina com medo fechou todas as portas e janellas para a aguia não entrar, mas ella sempre entrou pela chaminé e esborralhou-lhe o forno sobre o pão, quebrou-lhe os alguidares e muita loiça, e fugiu. Chegando a padeira, deu muitas pancadas em Clarinha e pôl-a no andar da rua. Por mais que pedisse e chorasse, a padeira não a acreditava. Foi a menina ter com um vendeiro, para o servir; sahindo um dia, elle deixou-a na venda. Com medo ella fechou-se por dentro, mas a aguia sempre entrou e quebrou copos, medidas e garrafas, e destapou as pipas. Quando o vendeiro chegou achou tão grande destroço, e sem se importar com o que dizia Clarinha, deu-lhe muitas bofetadas e pôl-a logo na rua. Clarinha foi ter d’ali ao palacio, não se dando por conhecida, e offereceu-se para criada do principe. A rainha disse que não precisava de mais criadas. O principe tornou:

— Tome-a, minha mãe, ainda que seja para vigiar as patas.

— Pois sim; que ella entre.

Todos os dias morriam as patas que ella vigiava, e o principe vendo que ella chorava tanto, pediu á rainha que a tomasse para costureira. Passados tempos, o principe apromptou-se para ir vêr a sua noiva, e chegando ao pé das aias disse:

— Que querem que eu lhes traga da terra aonde vou?

Todas ellas lhe pediram alguma coisa, menos a Clarinha. O principe insistiu com ella para que dissesse o o que queria de lá.