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CONTOS E PHANTASIAS

Não te bastava o que fingias ler, querias mais, querias que alguem inventasse por tua conta e risco, fingisse ler para que tu ouvisses.

Levantaste a loura cabeça inquieta, e disseste com a voz que os anjos costumam ensinar ás creanças:

— Contas-me uma historia?

Que historia te hei de eu contar, Naly? Com a tua alma de quatro annos, tão limpa, tão transparente, tão cheia de ignorancias ideaes; com a tua alma de flôr, só se entende a linguagem dos lyrios, só podem comprehender-se cantos feitos de luar, de perfumes, de cantos de aves, alguma cousa etherea, que eu te não sei dizer.

Venho contar-te esta historia para tu a leres mais tarde, quando a mão de alguem — pede a Deus que seja a mão de tua mãe, Naly — houver arrancado ao teu doce espirito de borboleta o pollen immaculado e scintillante com que Deus o polvilhou e que tem um nome lindo, sabes qual? — a ignorancia!

Então saberás o que significam estas linhas escuras, alinhadas symetricamente na brancura do papel; terás chorado muita lagrima, meu anjo! a aprender cada uma d’estas letras, que hoje interpretas conforme te inspira a tua vagabunda e caprichosa imaginação!