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CONTOS PARA A INFANCIA
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Sai d'ali, logo que o trem rodou, e fui fazendo até casa variadissimas considerações, suggeridas pela quasi indiferença, com que aquella menina recebera brinquedos, que representavam um par de moedas.

Que contraste com os olhares de cubiça, com que outras raparigas da mesma idade namoravam uma d'estas bonecas de cabeça de panno, horrivel artefacto portuguez, em que os olhos são representados por dois pontos de linha azul, o nariz por um alinhavo de retroz côr de rosa, a bôca por outro de fio vermelho, e os cabellos por flocos de lã preta!

Quando cheguei a casa, já na dos meus visinhos remediados não havia luz.

Na dos meus visinhos pobres, o pai batia a sola, cantando ao som de tres assobios e duas campainhas de barro, com que os anjos, por lavar, provocavam os ralhos da mãe.

Quando, no dia seguinte, cheguei á janella, seriam onze horas da manhã.

Na rua agenciavam nova camada de immundicie os filhos do sapateiro; na casa immediata não se via ninguem — estava a pequena na mestra; no palacio, sentada n'um tapete estendido sobre a ampla pedra da varanda, divertia-se a minha pequena milionaria fazendo rodar, com auxilio d'uma linha, uma magnifica caleche descoberta, puxada por cavallos brancos.

Dentro da caleche pavoneava-se a boneca opulentamente vestida.

— «Ahi está a tua caricatura, minha feiticeira!...» — disse eu de mim para mim. «Ensaias