Laurinda Belfort teve um sobressalto. O relógio de marfim, engastado discretamente no canto esquerdo do carro, marcava duas e cinco, e esse relógio, certo, incapaz de adiantamentos ou de atrasos, marcava sempre a hora precisa para que Laurinda Belfort pudesse regularizar com calma e tempo os múltiplos afazeres dos seus perfumados dias. Havia, pois, trinta e cinco minutos que o pobre Guilherme Guimarães a esperava, apaixonado e comum, numa casa solitária.
Laurinda recostou-se, hesitando entre a idéia de apressar o cocheiro e o desejo de lá não ir, de falhar mais uma vez. Vinha-lhe o guloso apetite de deixar sem o seu corpo a absorvente entrevista. Mas, certamente, à noite teria a acompanha-la numa queixa muda e feroz, o olhar de Guilherme, ou no teatro ou no raout da condessa de Souto; e, à proporção que se aproximava o carro, Laurinda sentia as mãos frias, uma vaga contrariedade, a esquisita negação de todo o corpo como a tem a gente antes de fazer um enorme sacrifício...