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Página:Dentro da noite.djvu/208

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em males cruéis, nesses males que deformam o físico, roem para todo o sempre ou afogam a vida em sangue podre? Para que pensar? E Francisco, o meu querido Francisco, a quem eu amava como a melhor coisa do mundo, pensava todo o dia, lia os jornais, tomava informações. "A média de casos fatais é de trinta por dia. Ela vem aí, a vermelha", dizia. E já organizara um regime, tomara quinino, tinha o quarto cheio de anti-sépticos, os bolsos com pedras das farmácias para afastar o vírus. Coitado! Era impressionante. Eu bem lhe dizia:

- Mas criatura, não tenhas medo. Andamos todo o dia pelas ruas, vamos aos teatros. Qual varíola! Vê como toda gente ri e goza. Deixa de preocupações.

De manhã, porém, nós líamos juntos, ao almoço, os jornais. Para que mentir? Havia, havia sim! A sinistra rebentava em purulências toda a cidade. Um dia em que passava por uma igreja, Francisco ouviu os sinos a badalar sinistramente. Teve a curiosidade de saber por quem tão tristes badalavam e perguntou a um velho.

- É promessa, meu senhor, é para que Santo António não mate a todos nós de bexiga.

Francisco ficou como desvairado. Ao jantar encontrou-se comigo.

- Ah!, filho, falta-me o apetite. Estamos perdidos. É impossível lutar. Ela está aí.

- Acabas doido.

- Antes! - fez, no orgulho da sua beleza.