Página:Dentro da noite.djvu/93

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— Mas se não é verdade? Se a senhora sabe que não tenho tensões más?

— Era melhor que as tivesse! Ao menos sabia-se logo! engrolava a velha no auge do furor.

— Que se há de fazer? Cada um como nasceu...

Ao cabo de dois anos, porém, casou. Foi modesto o casamento. Ele apareceu com o mesmo fato preto com que diariamente labutava. Não lhe sobrara dinheiro, tanto era o luxo para a noiva e tantos os objetos comprados para a nova casa, aos poucos, com mil sacrifícios e uma porção de trabalho, muito trabalho. Mas Aurélia não o amava. Nunca amou a ninguém. O desequilíbrio nervoso da mãe redundara nela numa vaga histeria. Precisaria de certo de um homem brutal. Encontrara perdida no mundo uma rara alma. A influencia da mãe, as suas ordens, os seus conselhos era que a regiam. João marido passou a ser a criatura que tem obrigação de dar. Ele dava como um escravo. Nunca um enlevo, um simples gesto terno lhe acolheu sacrifícios de dinheiro, sacrifícios de trabalho. A família, por ver Aurélia feliz, começou a quere-la menos. As duas irmãs solteiras açulavam os maus instintos da velha, e eram elas que faziam a chuva e o bom tempo na casa de João. Às vezes, Aurélia entrava em casa a chorar:

— São umas miseráveis! Trataram-me como um cão, depois de lhes ter dado uma porção de coisas!

A cólera estalava na alma de João.

— Já não te tenho dito tanta vez? Não lhes fales! Elas invejam a tua felicidade.