Dispunha-me a dizer tudo isto...
Deslizei pelo corredor; entrei no salão de música. Lídia já não tocava a «Marcha Heroica». As suas longas mãos premiam o teclado, plangentemente, numa canção russa, melancólica e derrotista. Fraquejou-me o ânimo, ao ouvi-la... Fechei devagarinho a porta; Lídia não me vira entrar.
Avancei, pé-ante-pé, e coloquei-me quási por tráz dela; continuava a tocar, sem dar por mim. Quiz interrompê-la, obrigá-la a cessar aquela música depressôra, que gelava todo o meu entrain inicial. Mas não logrei pronunciar uma palavra e conservei-me imóvel, fitando imbecilmente uma jarra de velho Japão, que luzia as exóticas pinturas sobre uma estante baixa, entre duas janelas. Consegui desviar dali os olhos, que se fixaram logo, sem razão aparente, no fecho de platina que segurava, na delicada nuca de Lídia, as duas pontas do seu colar predilecto. Tornei, depois, a olhar para o jarrão; pareceu-me que as figuras que o adornavam iam crescendo, aumentando, até tomarem proporções inverosimeis. O quimono de uma delas já excedia, em muito, a superficie da jarra...
Lídia voltou a página. Fitei, de novo, o fecho do colar; de pequenino e cilíndrico tornara-se volumoso, irregular, de formas extravagantes... E eu não estava ébrio; o que me alucinava era o desespero ínti-
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