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Página:Diana de Liz - Memorias duma mulher da epoca.pdf/91

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duma mulher da epoca


Terça-feira, 15

Encontrei esta tarde, numa rua da Baixa, a Helena de C., que está em Lisboa após três anos de ausencia na provincia, mais gorda, vestindo com simplicidade e tendo no rosto os indicios duma absoluta paz de alma. Mostrou saudades do marido, que anda em viagem de negocios, falou-me nos dois filhos pequenos, que deixára em casa, e discreteou, em seguida, sobre coisas banais.

A Helena, de quem eu nunca fui propriamente amiga, causava-me admiração, em solteira, pela originalidade estroina das suas idéas e da sua indumentária. Incorrigivel em «flirtes», tinha, apesar disso, atitudes másculas, que surpreendiam numa tão linda figura feminina e discutia, ás vezes, altos problemas sociais, com o mesmo entusiasmo doutras mulheres quando discutem modas ou se inebriam na volupia da maledicencia... Eu reprovava secretamente aquelas excentricidades. E recordo-me de que aplaudi in petto o gesto cauteloso duma senhora íntima da casa do tio Mauricio — onde nos reuniamos todos — que deixou de levar lá as filhas, pouco mais novas do que eu, bonitinhas e triviais, no temôr de que se contaminassem com a frequencia daquela revolucionária de rosto de anjo e colarinho de homem — que falava de femi-

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