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DOM PEDRO E DOM MIGUEL

a Santa Alliança entendia intervir n'outros paizes no sentido de endireitar situações que lhe pareciam tortas, invocando para tanto os principios, mas que a Inglaterra só se deixava guiar pelos seus interesses. Occorria n'esse caso que o tratado de commercio com Portugal, que ia expirar em 1825, dizia sobretudo respeito ao Brazil, o qual consumia quatro quintos das exportações britannicas para o Reino Unido. A Inglaterra era portanto indispensavel que a situação se endireitasse.

Agora a Inglaterra achava a seu geito em Portugal um governo provisorio de todo sympathico á alliança subsistente entre os dous paizes, e para mais perfeitamente capaz de dirigir o barco do Estado sem appellar para uma intervenção estrangeira sempre odiosa, nem incorrer nas responsabilidades de uma escolha que fosse dictada por preferencias alheias, o que seria o caso se a representação britannica tivesse participado na organização da regencia. Accrescia que os collegas do embaixador, vendo-o tão fóra das intrigas, pelo menos na apparencia, pois que seus pareceres não podiam faltar ou então elle faltaria ao seu dever, não viam remedio senão se manterem quietos. A indifferença ou melhor dito a correcção do representante de Sua Magestade britannica não podia deixar de fazer impressão e agir como norma: alguns, mais impacientes, tiveram que morder o freio.

A regencia assim nomeada, não ao acaso mas ás pressas, parecia a Sir William A' Court a melhor de que se poderia haver feito selecção. A infanta, a quem cabia o voto de desempate, o conselho pronunciando-se por maioria, denotava, segundo elle, uma prudencia e uma moderação de todo ponto notaveis, sobretudo para uma pessoa que como ella fôra criada aos tombos dos dados. O patriarcha, D. Fr. Patricio da Silva, posto que sacerdote, monge agostinho calçado, que de uma humilde origem se elevara até o cardinalato, nutria antes opiniões liberaes e pelo menos toda a sua vida deu prova de uma atilada neutralidade. O duque de Cadaval trazia o contingente da sua alta nobreza e de uma invejavel popularidade que elle depois collocou ao serviço de Dom Miguel. O marquez de Vallada não passava em rigor de um cortezão ; mas era honesto e bem intencionado, o que já não é pouco. Finalmente — o resto do conselho era constituido pelo ministerio — o conde dos Arcos, veterano da administração brazileira, era dotado de talento e de energia e seria porventura o unico capaz de fazer frente á Rainha em caso de necessidade. O embaixador escrevia porventura, porque no seu fôro intimo duvidava que houvesse alguem vivo com semelhante ousadia.