Permitta-se-me agora terminar as observações a este livro IV mostrando a injustiça de Delille para com Luiz de Camões.[1] Delille, cujas reflexões ácêrca desta parte da Eneida sam as mais justas e recommendaveis, conclue a sua analyse pelos poetas que tem imitado o romano, e diz assim: «Todos os epicos julgaram dever consagrar um dos seus cantos ao amor: Camões faz tambem desembarcar os Portuguezes em uma ilha, onde as Nereidas imflammadas por Venus e Cupído, de concêrto com o Padre-Eterno, se esforçam por demoral-os. Independente da mistura monstruosa das divindades do paganismo com a religião christã, este episodio se descreve com tam pouca circumspecção, que a ilha encantada dos Lusiadas muito mais se assemelha a um alcouce que a uma residencia de deuses. Comparar iguaes producções ás de Virgilio fôra ultrajal-o.» — Delille não leu a Camões, como acontece á maioria dos Francezes que de Camões fallam; os quaes, logoque se trata do Homero portuguez, clamam: «Como he bello o episodio de Ignez! E o do gigante Adamastor!! Assim não tivesse o poeta confundido o paganismo com o christianismo!» Tudo isto porêm não he delles, he apenas o apressado juizo de Voltaire com emphase repetido. Delille fez mais que lêr a Voltaire, leu a pessima e ridicula traducção de La Harpe, e leu-a mesmo sem attenção. — A ilha dos amores não he imitada de Virgilio, he totalmente original; nem pode ser confrontada com o episodio de Dido, por ser materia hetorogenea. O grande epico imagina que Venus, a protectora dos Portuguezes, fez nascer no meio dos mares uma ilha encantada em que os seus valídos repousem das fadigas da viagem, e com auxílio de Cupído inflamma[2] as Nereidas; as quaes, vencidas dos navegantes, em dansas e tangeres, os recebem e alegram, rendidas ás suas caricias. A descripção do pomar e jardim, a das nymphas que, estando a banhar-se, se escondem n'agua para não lhes apparecerem nuas; a pintura das aves e outros animaes, tudo, tudo he primoroso. Se Camões porêm neste episodio não imita o seu mestre, com elle se assemelha no estilo, sempre conciso e imaginoso; a harmonia imitativa he tanta e perfeitissima, estupenda a variedade,[3] a melodia inteiramente virgiliana. Quam poetica não he a lembrança de introduzir Thetys, a espôsa de Neptuno, acolhendo a Vasco da Gama com pompa honesta e régia, e tomando-o pela mão para lhe explicar a rica fábrica do mundo! O descobridor da nova róta das Indias merecia bem estas honras da parte da raínha do oceano. Quam sublime não he o canto da nympha (a quem, pela voz, Camões chama angelica Sirena, e alguns críticos tem crido ser uma serêa) quando vaticina as façanhas futuras dos Portuguezes! Aqui he que o poeta imita a Virgilio no livro VI da Eneida, mas com quanta originalidade! — Ora, comparar tudo isto aos amores de Dido he comparar uma tragedia com um idyllio, uma nenia com um hymno de alegria. Em vez de recorrer a Voltaire, genio extraordinario, mas
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