Página:Eneida Brazileira.djvu/330

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o Virgilius nauticus de pag. 33-36, onde Mr. Jal traz as mais adequadas observações. Desejos tive de as copiar; mas desisti, porque, para pôr tudo que me parece interessante nessa obra, mister seria transcrevel-a por inteiro.

344. — 342. — Começa Enéas o combate, e um dardo, que lhe revirou Numitor, fere a Achates na coxa; o que mostra o jus deste guerreiro ao título de grande e de fiel que lhe dá o poeta, poisque elle não podia pelejar sempre ao lado do amigo, sem correr iguaes aventuras. Chamam-no frio, porque não se lhe especifíca uma acção de valentia, a não ser a morte de Epulon, guerreiro sem renome. E na verdade, fazendo o poeta brilhar a Mnestheu no liv. IX e em outros lugares, a Ascanio em matar o cunhado de Turno, a Gyas em dar cabo de Ufente, amigo íntimo e da maior confiança do mesmo Turno, a Seresto em ajudar a Mnestheu e Ascanio a repellir a Turno e pôl-o em retirada; tendo sim exaltado a Tárchon, a Pândaro e Bicias, a Pallante, a Euryalo e Niso, e a outros do seu partido, parece que devera guardar uma proeza para o companheiro inseparavel do heroe; companheiro, em quem o autor quiz representar Patroclo; mas quanto fica abaixo de Homero! — Concordando com os criticos nesta censura, estou bem alheio da opinião dos que acham insignificantes os cabos a quem Enéas commandava em chefe. Na Iliada, onde a ausencia de Achilles durante mezes deixou aos Gregos o campo livre e a obrigação de o substituirem, poude Homero ministrar a Ajax, a Diomedes, a Ulysses, a Merion, a Patroclo e a muitos outros, opportunidade a estrondosas valentias; mas na Eneida isso não era possivel em grande escala, sendo a ausencia de Enéas de quatro dias, e tendo elle ordenado á sua pouquissima gente que se defendesse das trincheiras e não se arriscasse a combater fóra. O que devemos admirar he a arte com que, vendo que a inacção esfriaria o interêsse, sustenta-o ingenhosamente, não só pelo arrôjo de Niso e Euryalo[1], como pela temeridade dos gigantes; a qual deu lugar ao valor de Mnestheu, de Seresto, e mesmo de guerreiros já velhos que defendiam seus muros, e faz apparecer a assombrosa intrepidez de Turno, como a necessidade e o geral desejo da vólta de Enéas. Effectuada ao quarto dia, apparece elle de manhã á vista do seu campo, e ganha uma victória antes de anoitecer. Nesta pressa, vê-se bem que, se o poeta se demorasse a pintar combates singulares e as façanhas de cada socio, não havia tempo de descrever a batalha, nem realçar o valor e proezas do heroe e do seu rival; o que essencialmente requeria o assumpto. Os conflictos pois da Eneida não sam como os da Iliada, mas como convinha que fôssem, dado o plano do poema. A destruíção de Troia era o fim de Achilles; o de Enéas, a fundação de uma nova: isto basta a provar que a Eneida não nos devia entretêr com tantos combates á maneira da Iliada, e que Virgilio obrou com descernimento.

  1. Eurialo no original.