Enéas, A tua dextra he causa, ao filho e ao padre Olha que deves Turno: este o serviço Que do teu brio espero e da fortuna.» E este recado he enviado ao heroe troiano. Encontram-se os dous rivaes, rende-se Turno, e aos seus rogos Enéas quasi ia cedendo, quando vê o talim de Pallante ao hombro do seu vencedor; então, lembrado das preces de Evandro e dos seus deveres para com elle, immola a Turno, dizendo-lhe que era Pallante quem naquelle golpe o matava. Se Enéas em taes circumstancias lhe perdoasse, por certo obraria como um anticipado discipulo de Christo, mas não obraria bem segundo as idéas e opiniões do seu seculo, e segundo as obrigações contrahidas para com Evandro. Eu sublinhei o adverbio quasi, porque Virgilio, que julgava ser uma necessidade para Enéas aquella morte, não diz que tivesse lugar só por causa do talim, mas que tal apparecimento lhe apagou a momentanea compaixão. Se acontecesse o contrario, então he que devia Enéas ser tido por um bom córte de frade capucho, como alguns lhe tem chamado. — Nos versos que abrange esta nota lê-se o que elle tornou em resposta aos embaixadores latinos, quando vieram pedir tregoas para enterrar os mortos: «E a paz, diz entre outras razões, quereis somente Para os da luz privados nas batalhas? Eu quereria concedel-a aos vivos.» Isto, a repugnancia com que matou a Lauso, o duello que offerece para evitar effusão de sangue, as generosas condições que propoz no caso de vencer, ao revez das de Turno e Latino, convencem da injustiça com que Mr. Amar, comparando Enéas a Achilles, diz assim de Virgilio: «Si du moins il prêtait de temps en temps à son héros ces retours de sensibilité que l'on retrouve avec tant de plaisir dans Achille lui-même!...» De sorte que, na opinião de Mr. Amar, em Achilles ha mais toques de sensibilidade que em Enéas! E este nem de tempos a tempos a tem!!
225-293. — 219-285. — Este pedaço, bem pouco apreciado, he um dos mais bellos, e em que mais se mostra a philosophia do autor. Latino e Turno deputam Venulo a Diomedes, pedindo-lhe auxílio contra Enéas: Diomedes recusa, e o poeta põe o elogio da paz na bôca desse guerreiro, que outrora só conhecia o jus da espada, e se atreveu a acommetter e ferir o proprio deus Marte[1]. Repare-se na habilidade do poeta em o fazer tecer os louvores de Enéas, lembrando o combate que ambos tiveram, como consta da Iliada liv. V. O que porêm assinaladamente se deve approvar, he o patriotismo com que Virgilio aproveita a occasião de recommendar o repouso de que necessitava o seu paiz, depois de tantas e tam cruas guerras intestinas.
300-485. — 292-469. — No conselho por Latino convocado, que principiou alguns versos atrás, sam admiraveis os discursos do rei, de Drances, e mórmente o de Turno: a prudencia e o fim pacífico
- ↑ Na verdade, Diomedes feriu Vênus; lapso de Odorico.