Página:Eneida Brazileira.djvu/58

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Ante mim proprio immole a espôsa minha,
E um no sangue do outro Iulo e Anchises?
Armas, armas, varões: para os vencidos
Acena o último dia: ah! consenti-me
700Que volte aos Danaos, que a peleja instaure:
Nem todos hoje inultos morreremos.»
De novo empunho a espada, embraço o escudo,
E no acto de sahir se me atravessa
Á soleira Creusa, os pés me abraça,
705E o meu tenrinho Ascanio me apresenta:
«Vais perecer? a transe igual nos leva;
Se inda em pericia e esfôrço te confias,
O que primeiro cumpre he defender-nos.
A quem teu pae, a quem teu filho entregas,
710E esta que nomeavas tua espôsa?»

Quando esturgia o tecto em ais desfeita,
Oh prodigio estupendo! estando Iulo
De afflictos paes entre osculos e abraços,
Um resplendor subtil, igneo turbante,
715Lhe coroa a cabeça, e em molle tacto
Ás fontes se apascenta e lambe as comas
A innocua flamma. Trepidos de medo,
O flagrante cabello sacudimos,
Jorros d’agua a deitar no sacro lume.
720Mas ledo o genitor na etherea côrte
Fita os olhos, e orando as palmas tende:
«Jupiter summo, se te abrandam preces,
Attende ao menos; se á piedade es grato,
Auxilia-nos, padre, o agouro assella.»

725Com subito fragor, mal finda o velho,
Toa á esquerda, e nas sombras deslisando
Pelo céo alva estrella accende a cauda;
Vemol-a escorregar pelos telhados,
Na selva idéa, a esteira assinalando,
730Sumir-se: longo sulco abre em centelhas,