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Página:Eneida Brazileira.djvu/64

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recursos estava, que, desesperando os Gregos da efficacia do cêrco, recorreram a um estratagema e a uma traição. Quanto a irem Ulysses e Palamedes buscar víveres á Thracia, o facto não suppõe necessariamente a carencia de pastores: he natural que os mantimentos que houvesse, fossem passados á cidade, pelos meios occultos que os filhos de um paiz conhecem: os Gregos, não os tendo em assás quantidade, iam procural-os mais longe.

195-196. — 199. — «La crédulité des Troyens, discorre Mr. Tissot, est une invraisemblance sans excuses. On la pardonne à peine dans Virgile, malgré les savants efforts que le poëte a faits pour la justifier, en la rendant vraisemblable par l'éloquence de Sinon et par le mouvement qu'elle excite.» Não alcanço a razão da censura, quando o censor confessa que l'accent du coeur est imité avec une vérité qui fait frémir, que il y a tout un traité d'éloquence dans le discours de Sinon, e que jamais on ne vit un tel triomphe de l'art de persuader en trompant. Mr. Tissot, que tem vivído em tempos difficeis, deve ter observado como se deixa a multidão levar de discursos os mais illogicos e futeis; porque pois estranha que este, no qual se contêm um tratado de eloquencia, fizesse tamanho effeito nos Troianos, sendo poderosamente ajudado pelo prodigio das duas serpentes? A morte de Laocoon, o irem-se as taes serpentes recolher sob a egide mesma de Pallas, como se foram executoras da vingança da deusa, junto á fôrça do discurso onde havia un tel triomphe de l'art de persuader en trompant, devera produzir na chusma a impressão que produziu. Capys queria examinar o cavallo e deital-o ao mar; porêm em taes casos mais vence a superstição que o bom conselho. Estou com Delille, o qual pensa: «Qu'il est plus aisé de tromper une nombreuse foule qu'un seul homme d'un sens droit: Sinon n'eût pas trompé un agent de police, mais la populace aurait été sa dupe.» E accrescente-se que naqueles tempos talvez se deixasse illudir a mesma polícia; poisque esta insigne arte não tinha chegado ao apuro a que, em França principalmente, se acha elevada.

198. — 201. — Mr. Jal, que demonstra[1] a precisão com que Virgilio usa dos termos maritimos, quer que onde o autor diz puppis o traductor diga pôpa e não nau, e que haja o mesmo cuidado com as palavras prora, carina, com os nomes dos differentes ventos; poisque o poeta emprega sempre as vozes proprias, e quando se serve do figurado, por synedoche, he porque a parte mencionada he a principal na acção. Depois do estudo que fiz da materia, conclui que um traductor da Eneida deve recorrer á obra deste sabio para não se enganar ao verter o que diz respeito á marinha. Ora, Mr. Jal opina que o termo carina nem mesmo se pode tomar pela quilha, mas infallivelmente pelo casco ou buco do navio. Que se

  1. No original está demonsta, erro tipográfico.