A primeira daquelas barbas era de um amigo de Pedro, um capucho, um italiano, frei ***. Podia escrever-lhe o nome, — ninguém mais o conheceria, — mas prefiro esse sinal trino, número de mistério, expresso por estrelas, que são os olhos do Céu. Trata-se de um frade. Pedro não lhe conheceu a barba preta, mas já grisalha, longa e basta, adornando uma cabeça máscula e formosa. A boca era risonha, os olhos rútilos. Ria por ela e por eles, tão docemente que metia a gente no coração. Tinha o peito largo, as espáduas fortes. O pé nu, atado à sandália, mostrava agüentar um corpo de Hércules. Tudo isso meigo e espiritual, como uma página evangélica. A fé era viva, a afeição segura, a paciência infinita.
Frei *** despediu-se um dia de Pedro. Ia ao interior, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, — creio que ao Paraná também, — viagem espiritual, como a de outros confrades, e lá ficou por um semestre ou mais. Quando voltou trouxe-nos a todos grande alegria e maior espanto. A barba estava negra, não sei se tanto ou mais que dantes, mas negríssima e brilhantíssima. Não explicou a mudança, nem ninguém lhe perguntou por ela; podia ser milagre ou capricho da natureza; também podia ser correção de homem, posto que o último caso fosse mais difícil de crer que o primeiro. Durou nove meses esta cor; feita outra viagem por trinta dias, a barba apareceu de prata ou de neve, como vos parecer mais branca.
Quanto à segunda de tais barbas, foi ainda mais espantosa. Não era de frade, mas de maltrapilho, um sujeito que vivia de dívidas, e na mocidade corrigira um velho rifão da nossa língua por esta maneira: "Paga o que deves, vê o que te não fica".