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Como o que havia na ancia de conforto
De cada ser, ex: o homem e o ophidio,
Uma necessidade de suicidio
E um desejo incoercível de ser morto!

Naquella angustia absurda e tragi-comica
Eu chorava, rolando sobre o lixo,
Com a contorsão neurotica de um bicho
Que ingeriu 30 grammas de nux-vomica.

E, como um homem doido que se enforca,
Tentava, na terraquea superficie,
Consubstanciar-me todo com a immundicie,
Confundir-me com aquella coisa pórca!

Vinha, ás vezes, porém, o anhelo instavel
De, com o auxilio especial do osso masseter
Mastigando homoeomerias neutras de ether
Nutrir-me de materia imponderavel.

Anhelava ficar um dia, em summa,
Menor que o amphyoxus e inferior á tenia,
Reduzido á plastidula homogenea,
Sem differenciação de especie alguma.

Era (nem sei em synthese o que diga)
Um velhissimo instincto atavico, era
A saudade inconsciente da monéra
Que havia sido minha mãe antiga!

Com o horror tradicional da raiva côrsa
Minha vontade era, perante a cóva,
Arrancar do meu proprio corpo a prova
Da persistencia trágica da força.