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“o salto, o immediato, o instantaneo de bote de ani-
mal..."

“Jorge vai em viagem de inspecção para o in-
“terior: a sua ausencia será de quinze dias a um mez.
“Está desolado. Beijou-me as mãos e offereceu-me
“petunias: — “Estará em mim, em tudo”. — Foram
“as suas ultimas palavras.”

“Sem Jorge, sem o imprevisto de suas respostas
“e observações mordazes, a vida torna-se-me insup-
“portavel...”

“Eu e Francisco em “tête-a-tête” constante...
“Por tempos a maldade, a ironia me governam. Af-
“firmo-lhe então o que nego e exalto-lhe o que de-
“testo, e faço-o simplesmente por amôr a não sei que
“máo espirito... E, cousa singular, experimento um
“prazer vivo, feroz...”

“Ah, o tormento de uma vida vazia! Ah, a ago-
“nia de se falsificar eternamente! Oh, a vontade allu-
“cinante de chegar-me a Francisco e dizer-lhe: —
“Não sou tua; não te amo; vou para o meu amôr...
“Os meus carinhos são feitos de caridade; são esmolas
“de uma bondade; são mudos, frios, mortos... Eu te
“não amo...”

“Hoje exultei, Senhor, pensando que a existencia
“me está nas mãos... Sou... emquanto quero...”

“São dez horas da noite: — Encontro-me estira-
“da num sofá, numa varanda aberta, despida... A
“lua cheia me acaricia... Penso que a caricia dos
“mortos deve ser assim, sem culminancias, sem o calor
“da materia, sem as solicitudes da vida...”