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orgulhoso? — Era a primeira vez que elle a tratava por vós. Sois uma grande amorosa, trazeis a raiz, o fruto das sensações divinas em o sangue, em a dôr pallida que agonia os vossos movimentos, os vossos espasmos... Tendes uma sensualidade morbida para tudo o que vive e canta... Soffreis muito porque sabeis que a vossa mocidade, o vosso arremêsso, a vossa belleza fragil, penetrante, passarão, e que não podereis viver sem o sublime, sem o delirio, sem a vitalidade juvenil da natureza ... Deixai-me beijar essas mãos que brincam com o espaço, com as flores, com a sensibilidade, com o coração dos homens, essas mãos que vos não pertencem, que são do poeta, do artista, do amante... — Meu Deus, enlouqueço!... Parece que roubastes o extase e que trazeis brilhante em a forma quebradiça e delicada de vosso corpo, o seu deslumbramento, a sua acidez, o seu esplendor...—e apressado, retirou-se.

A Senhora de Assis sózinha em essa meio escuridão, lindamente branca, extendida sobre o azul do setim, ferida por espadanas de luar, azoinada de Theophilo, sentia-se morrer de ardor physico, de terneza multiforme.

Os annos desabrochavam-lhe ainda mais a paixão, o gosto immoderado da belleza, a vertigem dos prazeres intellectuaes que lhe vicejavam em as cellulas... sensivelmente ella inteira se embebia, se engolfava, se perdia em esses dons absolutos da natureza e do ser humano...

Era a primeira vez que labios indifferentes lhe proferiam palavras sonorosae cantantes... Uma gran-