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O crepusculo se abatia sobre a terra, languente, mudo, pallido, amoroso emmaranhando, enredando o arvoredo, os troncos, as montanhas, o rio, o horizonte, em tons incolores, hybridos, gastos, indecisos... O coração de Ladice se contrahia; parecia-lhe haver em as sensações a doçura serena das sombras. As creanças que encontrava pelo caminho rememoravam-lhe a phrase de João, retinham-lhe o pensamento, obrigavam-n´a a esmerilhar, a desfibrar conjecturas; buscar detalhes; forjar, inventar traços, parecenças:—"Deve ter os seus olhos, a sua testa magnifica, — dizia ella gasalhando em o intimo tenacidades, angustias, indomaveis; a rapidez de seus passos, então, augmentava, como se quizesse fugir a si mesmo, á sua agonia, á propria existencia, á nostalgia da tarde que se esvaia...

Essa noite, em conversa com Francisco, á guisa de quem procura consolo, satisfacção, alegria de quem traz uma dôr morta, Ladice lhe expoz o seu caso, envolto em uma mentira:

— Li hoje uma pagina empolgante, um acto heroico perante a sociedade; imagina que um rapaz no desvario da paixão, abandona a mulher, os filhos, por amôr a uma outra mulher, que o acceita sem remorsos.

— Não sei que goso encontras em leituras assim tão brutaes...

— E´ o veneno que meus nervos pedem... Oh! o prazer delicioso em sentir esse arrepio de pavor e de orgulho, ao vermos o Destino e a alma humana em luta feroz... Não os condemnemos; são impulsivos