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tando em Ladice olhos que ora lampejavam, ora eram vidrados, sem raios, sem luz...

— O quanto é mesquinho o meu sentimento comparado com o seu... Terá em retorno apenas a minha amizade, não lhe devo esconder; seria uma mystificação. Minha consciencia opina para que eu o recuse... Não será feliz. — A voz de Ladice era feita do som de todas as dôres...

— Já pesei as consequencías... Quero-a minha assim mesmo sem amor...— interrompeu elle vivamente.

— Não se engane a meu respeito... Sou cheia de defeitos... Creio não possuir qualidade alguma que me recommende como futura mãe de familia... Adoro a paz, a solidão, as coisas estranhas... Sou extremamente independente. Gastarei os dias a ler, a estudar... Rio-me muito, digo tolices; mas tambem tenho melancolias impenetraveis, que me roem as proprias fontes da existencia; é-me um mal ingenito. Peço-lhe respeite a minha liberdade, como lhe respeitarei a sua... E, o momento, doutor, em que estiver enfarado de mim, quando me não amar mais, seja franco, não recorra a subterfugios, diga-m'o abertamente.

— Ah! d. Ladice, o amor não morre... O que me acaba de relatar são qualidades patricias de uma grande intellectualidade. Como me envaideço de possuir uma mulher tão esplendidamente dotada...

Ladice tentou mais uma vez dissuadil-o. Ella sentia frio em a alma, em os joelhos, em as mãos: