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Página:Fabulas (9ª edição).pdf/27

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A ré tremeu: não havia escapatoria!... Osso não tinha e não podia, portanto, restituir; mas tinha vida e ia entrega-la em pagamento do que não furtara.

Assim aconteceu. O cachorro sangrou-a, espostejou-a, reservou para si um quarto e dividiu o restante com os juizes famintos, a titulo de custas...


Fiar-se na justiça dos poderosos, que tolice! A justiça deles não vacila em tomar do branco e solenemente decretar que é preto

— Esta fabula, disse dona Benta, é muito dolorosa. E’ um verdadeiro retrato da justiça humana; e se eu fosse explicar a lição que existe aqui, levaria um ano. Não vale a pena. Vocês vão viver, vão crescer, vão conhecer os homens — e irão percebendo a profunda e triste verdade desta fabulazinha.

— Que quer dizer “maus bofes”, vóvó?

— Quer dizer de má indole, de maus sentimentos, e foi por ser assim que o cachorro acusou a pobre ovelha.

— E os urubús juizes tambem eram de maus bofes?

— Não. Esses eram apenas maus juizes, dos que julgam de acordo com certos interesses, em vez de julgar de acordo com a justiça.

— Que interesse tinham eles no caso?

— Estavam com fome e queriam comer a ovelha.

Emilia protestou. Achou que nesse ponto a fabula não tinha “propriedade gastronomica”.

— Por que?

— Porque urubú não come carne fresca, só come carne podre...

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