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Página:Fabulas (9ª edição).pdf/45

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O Sabiá e o Urubú

Era á tardinha. Morria o sol no horizonte enquanto as sombras se alongavam na terra. Um sabiá cantava tão lindo que até as laranjeiras pareciam absortas á escuta.

Estorce-se de inveja o urubú e queixa-se:

— Mal abre o bico este passarinho e o mundo se enleva. Eu, entretanto, sou um espantalho de que todos fogem com repugnancia... Se ele chega, tudo se alegra; se eu me aproximo, todos recuam... Ele, dizem, traz felicidade; eu, mau agouro. A natureza foi injusta e cruel para comigo. Mas está em mim corrigir a natureza; mato-o, e desse modo me livro da raiva que seus gorgeios me provocam.

Pensando assim, aproximou-se do sabiá, que ao vê-lo armou as asas para a fuga.

— Não tenha medo, amigo! Venho para mais perto a fim de melhor gozar as delicias do canto. Julga que por ser urubú não dou valor ás obras primas da arte? Vamos lá, cante! Cante ao pé de mim aquela melodia com que ha pouco você extasiava a natureza.

O ingenuo sabiá deu credito áqueles mentirosos grasnos e permitiu que dele se aproximasse o traiçoeiro urubú. Mas este, logo que o pilhou ao alcance, deu-lhe tamanha bicada que o fez cair moribundo.

Arquejante, com os olhos já envidrados, geme o passarinho:

— Que mal fiz eu para merecer tanta ferocidade?

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