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Página:Graciliano Ramos - S. Bernardo (1934).pdf/11

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S. BERNARDO
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A principio tudo correu bem, não houve entre nós nenhuma divergencia. A conversa era longa, mas cada um prestava attenção ás proprias palavras, sem ligar importancia ao que o outro dizia. Eu por mim, enthusiasmado com o assumpto, esquecia constantemente a natureza do Gondim e chegava a consideral-o uma especie de folha de papel destinada a receber as idéas confusas que me fervilhavam na cabeça.

O resultado foi um desastre. Quinze dias depois do nosso primeiro encontro, o redactor do Cruzeiro apresentou-me dois capitulos dactylographados, tão cheios de besteiras que me zanguei:

— Vá para o inferno, Gondim. Você acanalhou o troço. Está pernostico, está safado, está idiota. Ha lá ninguém que fale dessa fórma!

Azevedo Gondim apagou o sorriso, enguliu em secco, apanhou os cacos da sua pequenina vaidade e replicou amuado que um artista não pode escrever como fala.

— Não pode? perguntei com assombro. E porque?

Azevedo Gondim respondeu que não pode porque não pode.

— Foi assim que sempre se fez. A literatura é a literatura, seu Paulo. A gente discute, briga, trata de negocios naturalmente, mas arranjar palavras com tinta é outra coisa. Se eu fosse escrever como falo, ninguem me lia.