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As relações do Dr. Camargo com a família do conselheiro eram estreitas e antigas, como dissera Estácio. O médico e o conselheiro tinham a mesma idade: cinqüenta e quatro anos. Conheceram-se logo depois de tomado o grau, e nunca mais afrouxara o laço que os prendera desde esse tempo.

Camargo era pouco simpático à primeira vista. Tinha as feições duras e frias, os olhos perscrutadores e sagazes, de uma sagacidade incômoda para quem encarava com eles, o que o não fazia atraente. Falava pouco e seco. Seus sentimentos não vinham à flor do rosto. Tinha todos os visíveis sinais de um grande egoísta; contudo, posto que a morte do conselheiro não lhe arrancasse uma lágrima ou uma palavra de tristeza, é certo que a sentiu deveras. Além disso, amava sobre todas as coisas e pessoas uma criatura linda, — a linda Eugênia, como lhe chamava, — sua filha única e a flor de seus olhos; mas amava-a de um amor calado e recôndito. Era difícil saber se Camargo professava algumas opiniões políticas ou nutria sentimentos religiosos. Das primeiras, se as tinha, nunca deu manifestação prática; e no meio das lutas de que fora cheio o decênio anterior, conservara-se indiferente e neutral. Quanto aos sentimentos religiosos, a aferi-los pelas ações, ninguém os possuía mais puros.