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MONTEIRO LOBATO

— Pois quero apresentar a você duas velhas árvores que conheço desde pequenote. As árvores são como navios ancorados nos portos. Mas os navios depois de certo tempo levantam a âncora e saem mar a fora, a correr mundo; já as árvores, onde nascem morrem; ficam toda a vida ancoradas pelo raizame no mesmo ponto, até que envelheçam e um dia um pé-de-vento as derrube. Veja. Todas estas árvores aqui nasceram e aqui vão morrer — menos uma. Uma há que nasceu muito longe de Buenos Aires, lá pelas fronteiras da Bolívia e se mudou para cá.

— Como se mudou, papai, se elas não levantam as raízes, como os navios levantam as âncoras?

— Foi mudada pequenina quando ainda não era árvore e sim “muda" — e assim falando Dom Francisco levou Pancho a certo ponto do parque, onde se deteve diante de uma velha árvore estropiada. Escoras de madeira sustinham seus galhos já bastante pendidos para o chão. Em três galhos-mestres se subdividia o tronco, a menos de um metro do solo, dando a idéia de um W tosco; e na base do tronco havia largas manchas de cimento — o cimento com que a municipalidade vai tapando os ocos abertos pelo tempo nas velhas árvores dos parques.

— E há aqui um letreiro, papai — disse o menino apontando para um quadrado de tábua na ponta de um espeque.

FLOR DE CEIBO TRAIDA DE
JUJUY PLANTADA EN 1876
PELA SOCIED DE FOMENTO
DON TORQUATO DE ALVEAR
EL PRIMERO INTENDENTE
DE BUENOS AIRES

— Em 1876? — exclamou o menino admirado. — Setenta e um anos que esta árvore veio parar aqui? A idade do vovô...[1]

— Sim. Já está bem velha, e de há muito que teria desaparecido se não fossem os cuidados da municipalidade. Esses remendos nos ocos e essas escoras é que lhe permitem ir vivendo.

  1. O conto foi escrito em 1947.