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intrínsecos de metrificação, linguagem e estilo e mais pela liberdade espiritual e sentimentos liberais e humanos que o animam, é já o Uraguai um poema romântico, o precursor na poesia do tempo do romantismo americano, o iniciador do indianismo, que viria a ser no século XIX o traço mais distinto e significativo da renascença literária do Brasil.

Basílio da Gama tem de raiz a inspiração épica. Além do Uraguai, em que a provou excelentemente, do Quitubia (1791), que é, com pouca sorte aliás, outra demonstração dela, afetava o poeta o tom épico de preferência a outro, ainda em poemas de natureza a o não pedirem. Quase não cantou de amor, faltando por isso ao seu lirismo esse poderoso elemento sentimental e estético. É, porém, um espírito livre e um coração terno. Da liberdade de seu espírito que faz dele um liberal de antes dos tempos, há indícios sobejos não só no Uraguai, mas em vários poemas seus. Revela-se ainda o seu gosto por Voltaire, de quem traduziu a tragédia Mahomet, e a sua desafeição à guerra e às mesmas façanhas e glórias militares, insólitas no seu tempo. Não sabemos de outro poeta contemporâneo que haja tão declaradamente anteposto os labores e artes da paz, «às bélicas fadigas» e augurado uma futura era pacífica, em que fugissem do mundo

As guerras sanguinosas detestadas das mães e das esposas,

e em que

No capacete a abelhas os favos cria, curva-se em foice a espada reluzente.

Também da sua ternura há exemplos bastantes nos seus versos, particularmente nas lembranças do seu amigo Alpoim, no Uraguai, e de outro amigo seu, o árcade romano Mireu, no mesmo poema, e em vários outros menores, aludindo enternecido a amigos e benfeitores. A sua obra deixa uma grata impressão de admirativa simpatia.