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nas costas orientais do Brasil, justamente no recôncavo da Bahia, escapou do naufrágio e caiu nas mãos dos índios que aí havia. Guardado para servir-lhes de repasto, conseguiu esquivar a sua triste sorte e dominar-lhes com o pavor que lhes causou matando no vôo um pássaro, e fazendo outras façanhas com um arcabuz que acertara salvar da catástrofe. Sobre esse fato verossímil, e que se teria repetido entre navegadores e selvagens, ignorantes das armas de fogo, bordou a imaginação popular circunstâncias e acrescentou desenvolvimentos que a história mais tarde, por mão do operosíssimo Varnhagen, provaria lendários, como a viagem de Diogo Álvares à França em companhia da gentia Paraguaçu, sua noiva, o batismo desta em Paris e o casamento deste casal, sendo padrinhos em ambas as cerimônias Henrique II e a sua mulher, a célebre Catarina de Médicis, que deu o seu nome à sua exótica afilhada. Diogo Álvares, dizia a lenda, perfilhada pelos cronistas, recebeu dos índios, por causa da arma flamante com que dava a morte, a alcunha de Caramuru. Este nome, que é simplesmente o de um peixe, e que lhe deram por o terem apanhado no mar, a nossa fantasia etnológica o interpretou de vários modos, todos evidentemente falsos. Não havia aliás em Diogo Álvares, nem houve nos seus atos, os predicados de um herói de epopéia, e a mesma lenda não lhos dá. Nem o poeta lhos soube emprestar que os relevassem.

Pela sua concepção e execução era o Caramuru, mais do que o Uraguai, um dos muitos poemas saídos da fonte camoniana. Sem embargo desta falta de originalidade inicial, da mesma forma e estilo poético, e de reminiscências do poema de Camões, tem o Caramuru qualidades próprias e estimáveis. Como poema nacional leva a primazia ao Uraguai, apesar da sua inferioridade poética. Além da intenção manifesta que o gerou como a epopéia do descobrimento do Brasil, é o Caramuru mais nosso pela sua ação e teatro dela, o Recôncavo, o berço por assim dizer da nacionalidade que se ia criar aqui, e ainda pelos múltiplos