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Em todos os tempos poetas e literatos foram inclinadíssimos à bajulação dos poderosos. Casando-se geralmente pouco o seu gênio com o árduo de uma existência de trabalho e esforço próprio, e amando sobretudo os lazeres da vida ociosa, propícios às suas invenções e imaginações, para o haverem sacrificam de boa mente à vaidade dos grandes dos quais sem mais fadiga que a de contá-los e louvá-los, esperam lucrar tais ócios, muito seus queridos. Igualmente caroáveis da grandeza, pompa e luxo desses magnates, com os quais facilmente se embevecem, à satisfação desse gosto imolam brios e melindres. Em Portugal tais poetas e literatos faziam até parte da domesticidade da corte ou das grandes casas fidalgas e ricas, que os aposentavam e pensionavam, em troca dos poemas e escrituras com que infalivelmente celebravam a família em cada um dos seus sucessos domésticos, nascimentos, casamentos, mortes, façanhas guerreiras, vantagens sociais obtidas, aniversários. Como havia destes poetas efetivos, privados, caseiros, os havia também ocasionais, mas não menos prontos ao louvor hiperbólico, à lisonja enfática, à bajulação rasteira, em câmbio da proteção solicitada ou em paga de alguma graça obtida. Na sociedade de então o homem de letras, ainda sem público que o pudesse manter, e até forçado e apenas muito limitadamente exercer a sua atividade, quase só dos principais pelo poderio e riqueza, que acaso lhes estimassem as prendas sem os estimar a eles, podia viver. Freqüentemente eram estes que lhe mandavam imprimir as obras, que sem tais patronos dificilmente achariam editores. Tais costumes, explicáveis e porventura desculpáveis pelas condições do tempo, passaram naturalmente do Reino à sua colônia da América, onde os vice-reis, governadores e capitães-generais e mores faziam de reis pequenos, e os fazendeiros, senhores de engenho e outros magnates locais substituíram e arremedavam os grãos-senhores da Metrópole. Tanto passaram que desde as suas primeiras manifestações, a poesia, e depois toda a espécie de literatura, inspirou-se grandemente aqui daqueles motivos,