Página:Historias da meia noite.djvu/98

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Eduardo, que na sua qualidade de poeta devia amar a música, aproximou-se do piano e inclinou-se sobre ele na posição melancólica de um homem que conversa com as musas. Quanto ao irmão, não tendo podido evitar a cascata de notas, foi sentar-se ao pé de Vilela, com quem travou conversa, começando por perguntar que horas eram no relógio dele. Era tocar na tecla mais preciosa do ex-chefe de seção.

— É já tarde, disse este com voz fraca; olhe, seis horas.

— Não podem tardar muito.

— Eu sei! A cerimônia é longa, e talvez não achem o padre... Os casamentos deviam fazer-se em casa e de noite.

— É a minha opinião.

A moça terminou o que estava tocando; Calisto suspirou. Eduardo, que estava encostado ao piano, cumprimentou a executante com entusiasmo.

— Por que não toca mais alguma coisa? disse ele.

— É verdade, Mariquinhas, toca alguma coisa da Sonâmbula, disse Luísa obrigando a amiga a sentar-se.

— Sim! a Son...

Eduardo não pôde acabar; viu em frente os dois olhos repreensivos do irmão e fez uma careta. Interromper uma frase e fazer uma careta podia ser indício de um calo. Todos assim pensaram, exceto Vilela, que, julgando os outros por si, ficou convencido de que algum grito agudo do estômago tinha interrompido a voz de Eduardo.