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cheio de filhos, mais triste era ele ainda porquanto, não havendo alegria naquele lar, nem por isso havia desarmonia. Marido e mulher puxavam o carro igualmente...

O segundo filho não quisera ir além do curso primário. Empregara-se logo em um escritório comercial, fizera-se remador de um clube de regatas, ganhava bem e andava pelas tolas festas domingueiras de sport, com umas calças sungadas pelas canelas e um canotier muito limpo, tendo na fita uma bandeirinha idiota.

A filha casara-se com um empregado da Câmara Municipal de Niterói e lá vivia.

Restava-lhe o filho mais moço, o Jaime, tão bom, tão meigo e tão seu amigo, que lhe pareceu, quando veio ao mundo, ser aquele que estava destinado a ser o inteligente, o intelectual da família, o digno herdeiro do avô e do bisavô. Mas não foi; e ele se lembrava agora como recomendava sempre à mulher, nos primeiros anos de vida do caçula, ao ir para a repartição:

— Irene, cuida bem do Jaime! Ele é que vai ler os papéis do meu pai.

Porque o pequeno, em criança, era tão doentinho, tão mirrado, apesar dos seus olhos muito claros e vivos, que o pai temia fosse com ele a sua última esperança de um herdeiro capaz da biblioteca do conselheiro.

Jaime tinha nascido quando o mais velho entrava nos doze anos; e o inesperado daquela concepção alegrava-lhe muito, mas inquietara a mãe.

Pelos seus quatro anos de idade, Fausto Carregal já tinha podido ver o desenvolvimento dos dois outros seus filhos varões e havia desesperado de ver qualquer um deles entender, quer hoje ou amanhã, os livros do avô e do bisavô, que jaziam limpos, tratados, embalsamados, nos jazigos das prateleiras das estantes de vinhático, à espera de uma inteligência, na descendência dos seus primeiros proprietários, para de novo fazê-los voltar à completa e total vida do pensamento e da atividade mental fecunda.

Certo dia, lembrando-se de seu pai em face das esperanças que depositava no seu filho temporão, Fausto Carregal