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Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/136

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mão, como também colombianos, argentinos, chilenos, e até um filipino azeitonado foi preso, apesar de ser um simples e inofensivo malaio vagabundo e cabeludo, que vivia a catar ervas medicinais para vendê-las aos herbanários da rua Larga e aos chefes de macumbas e "candomblés" dos subúrbios longínquos. Tudo em pura perda.

A vítima foi identificada. Era uma criada alemã, arrumadeira de um grande hotel de luxo do Silvestre ou de Santa Tereza, que, nos seus dias de folga ou licença, gostava de passear pelos arredores da cidade e beber cerveja em toda parte. Todos os freqüentadores de casas de chopes conheciam aquela pequena alemã, de Baden, rechonchudinha, polpuda que nem um repolho, com os malares sempre rosados, possuidora de um perfeito aspecto de boneca alemã de carregação, que bebia mais do que os patrícios, rindo e estalando as palavras no duro e gutural alemão, cuja família diziam ser de camponeses de um lugarejo do grão-ducado. Os seus papéis eram cartas dos pais, de irmãos e parentes, além de lembranças de uns e outros, como retratos, sem mais outro traço sentimental que não este da família; e sobre o seu cadáver foram encontradas as jóias que a sua modesta condição permitia possuir: um anel de pouco preço, umas bichas de ouro e brilhantes mas de valor pouco considerável, um par de pulseiras, algum dinheiro e mais nada.

II

O doutor Matos Garção era quem conduzia o inquérito; mas esse moço, feito delegado de polícia, por empenhos de políticos do interior e sendo ele mesmo de São Sebastião de Passa Quatro, pecava por inteiro desconhecimento do Rio de Janeiro, de forma que, apesar de ter alguma inteligência, andou dando por paus e por pedras, cego, tonto, numa descontinuidade de esforços de causar riso e pena.