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Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/162

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- Tens razão; mas...

- Uma cousa: quando me recordo da Alzira, só me vem à mente o seu famoso chapéu-de-chuva de alpaca, com que, às vezes, quando embriagada, desancava um qualquer e ia parar no xadrez.

- Eu, quando me vem ela à lembrança, com a sua fisionomia triste, fanada, é com o seu orgulho de ter tido muito dinheiro, por meios tão baixos...

- A observação é boa. Ela não parecia ter dor em recordar os belos dias passados; parecia antes ter prazer... Afinal, que tem ela com a tua história?

- Estavas fora, lá, para Alagoas. Continuei a freqüentar o "Guaco", onde ia todas as tardes encontrar os companheiros. Ocasionalmente topava com Alzira e pagava-lhe um cálice. As nossas relações eram as mais amistosas possíveis. Ela me contava as histórias de aventuras passadas, quer as de jogo, quer as de amor; e eu as ouvia para aprender a vida com aquela mulher batida pela sorte, pelo infortúnio e pela maldade dos homens. Gostava até da emoção que ela sentia, narrando o seu triunfo, quando, trepada no alto dos carros de Carnaval, era aclamada pelas famílias, nas ruas apinhadas por onde passava. Pelo modo que ela me contava esses episódios, julguei que Alzira nesses dias se supunha resgatada. Talvez tivesse razão...

- Coitada! fez o outro.

- Bem. Como te contava, ia sempre ao "Guaco" e, em certo dia do pagamento, lá fui. Tinha os vencimentos quase intactos na algibeira. Encontrei-a, sentei-me e pedi cerveja. Ela não quis, ficou no seu cálice habitual. Em dado momento, ao passar o proprietário, o Martins - tu te lembras dele?

- Pois não.

- Disse-lhe: Martins, vê quanto te devo. Ele respondeu e, logo que ele se afastou, Alzira perguntou-me: "Frederico, tens dinheiro?" Disse-lhe que sim; e ela me pediu: "Podes 'passar' cinco mil-réis?" Não me fiz esperar e dei-lhe uma nota de cinco mil-réis que tinha na algibeira do colete. Ela guardou e continuou a conversa.