sardinhas?
Miguel José rapidamente pesou os prós e contras da operação comercial. Sabia bem, por experiência própria, que a população, até as crianças, se mostrava refratária à mercadoria espiritual de que ele era portador; e, pelo que lhe vira ainda agora nas mãos, a do seu companheiro não se portava da mesma forma.
Em se tratando de sardinhas, as cousas não corriam da mesma maneira como no tocante a santos. Considerou bem e logo respondeu:
- Tá feita, sinhor.
Os dous se despediram e trocaram de carga. Miguel José voltou a passar pelos mesmos lugares em que oferecera os registros, sem nenhum resultado; mas, quando apregoou as sardinhas, não teve mãos a medir. Vendeu-as a vintém, então fez escambos de compensação e, de tal forma correram-lhe as cousas que, dentro de três horas, tinha vendido tudo, podia pagar os registros à loja e lucrava cinco mil e tanto.
Manuel da Silva, o alegre português das sardinhas, saiu muito ancho com os seus registros; mas não foi logo vendê-los.
A frugalidade do "turco" tinha-lhe dado uma fome extraordinária. Procurou uma casa de pasto e comeu a fartar, acompanhado de um bom martelo de verdasco.
Bem alimentado, satisfeito, dispôs-se a "trocar" o são João Batista, Menino Jesus, correndo a sua freguesia de peixes e crustáceos.
Batia as portas:
- Mamãe, dizia uma criança, está aí o seu Manuel.
A mãe perguntava lá de dentro:
- Ele traz camarão?
- Não, mamãe; quer vender santos.
- Para que deu agora, seu Manuel! Ora, vejam só! Vender santos. Diga a ele que não quero.
Dessa e de outra maneira, ele foi percorrendo em vão sua freguesia das sardinhas, sem mercar uma única estampa religiosa.