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HISTORIAS E SONHOS
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pouco o corpo e viu-se ella tambem, no alto de um daquelles carros, illuminada pelos fogos de bengala, recebida com palmas, pelos meninos, pelos rapazes, pelas moças, pelas burguezas e burguezes da cidade. Era o seu triumpho, a méta de sua vida; era a proliferação imponderavel de sua belleza em sonhos, em anceios, em idéas, em violentos desejos naquellas almas pequenas, sujeitas ao imperio da convenção, da regra e da moral. Tomou a cerveja, todo o copo de um hausto, limpou a espuma dos labios e o seu ligeiro buço surgiu lindo sobre os breves labios vermelhos. Em seguida, perguntou ao irmão:

— E essas mulheres ganham?

— Qual! Você não vê que é uma honra, respondeu-lhe o irmão.

E o jantar acabou sério e familiar, embora a cerveja e o vinho não tivessem faltado aos devotos de cada uma das duas bebidas.

Logo que a refeição acabou, talvez uns vinte minutos após, o doutor André se fazia annunciar. Desculpou-se com as senhoras; não pudera vir jantar, questões politicas, uma conferencia... Pedia licença para offerecer aquellas pequenas lembranças de Carnaval. Deu uma pequena caixa a D. Izabel e uma maior á Cló. As joias sahiram dos escrinios e faiscaram orgulhosamente para todos os presentes deslumbrados. Para a mãe, um annel; para a filha, um bracelete.

— Oh, doutor! fez D. Izabel! O senhor está a sacrificar-se e nós não podemos consentir nisto...

— Qual, D. Izabel! São falsas, nada valem... Sabia que D. Clodia ia de preta mina e lembrei-me trazer-lhe esse enfeite...

Cló agradeceu sorridente a lembrança e a suave bocca quiz fixar demoradamente o longo sorriso de alegria e agradecimento. E voltaram a tocar. D. Isabel poz-se ao piano e, como tocasse depois da sobremesa, hora da melancolia e das discussões transcendentes, como já foi observado, executou alguma cousa triste.

Chegava a occasião de se prepararem para o baile á fan-