Página:Historias e sonhos - contos (1920).djvu/98

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O "feiticeiro", porém, continuava a viver no seu rancho sobranceiro a todos eles. Opunha às opiniões autorizadas do doutor e do escriturário, o seu desdém soberano de miserável independente; e ao estulto julgamento do bondoso Mané Bitu, a doce compaixão de sua alma terna e afeiçoada...

De manhã e à tarde, regava as suas couves; pelo dia em fora, plantava, colhia, fazia e rachava lenha, que vendia aos feixes, ao Mané Bitu, para poder comprar as utilidades de que necessitasse. Assim, passou ele cinco anos quase só naquele município de Inhangá, hoje burocraticamente chamado - "Contra-Almirante Doutor Frederico Antônio da Mota Batista".

Um belo dia foi visitar o posto o Deputado Braga, um elegante senhor, bem-posto, polido e cético.

O diretor não estava, mas o doutor Chupadinho, o sábio escriturário Almada e o vendeiro Bitu, representando o "capital" da localidade, receberam o parlamentar com todas as honras e não sabiam como agradá-lo.

Mostraram-lhe os recantos mais agradáveis e pinturescos, as praias longas e brancas e também as estranguladas entre morros sobranceiros ao mar; os horizontes fugidios e cismadores do alto das colinas; as plantações de batatas-doces; a ceva dos porcos... Por fim, ao deputado que já se ia fatigando com aqueles dias, a passar tão cheio de assessores, o doutor Chupadinho convidou:

— Vamos ver, doutor, um degenerado que passa por santo ou feiticeiro aqui. E um dementado que, se a lei fosse lei, já de há muito estaria aos cuidados da ciência, em algum manicômio.

E o escriturário acrescentou:

— Um maníaco religioso, um raro exemplar daquela espécie de gente com que as outras idades fabricavam os seus santos.

E o Mané Bitu:

— É um rapaz honesto... Bom moço - é o que posso dizer dele.