reatou a narração, agora mais diffusa, mais derramada, evidentemente mais delirante. Contava os sustos em que vivia, desgostos e desconfianças. Não podia comer um figo ás dentadas, como outr'ora; o receio do bicho diminuia-lhe o sabor. Não cria nas caras alegres da gente que ia pela rua: preoccupações, desejos, odios, tristezas, outras cousas, iam dissimuladas por umas tres quartas partes dellas. Vivia a temer um filho cego ou surdo-mudo, ou tuberculoso, ou assassino, etc. Não conseguia dar um jantar que não ficasse triste logo depois da sopa, pela idéa de que uma palavra sua, um gesto da mulher, qualquer falta de serviço podia suggerir o epigramma digestivo, na rua, debaixo de um lampeão. A experiencia dera-lhe o terror de ser empulhado. Confessava ao padre que, realmente, não tinha até agora lucrado nada; ao contrario, perdera até, porque fôra levado ao sangue... Ia contar-lhe o caso do sangue. Na vespera, deitara-se cedo, e sonhou... Com quem pensava o padre que elle sonhou?
--Não atino...
--Sonhei que o Diabo lia-me o Evangelho. Chegando ao ponto em que Jesus falla dos lyrios do campo, o Diabo colheu alguns e deu-m'os. «Toma, disse-me elle; são os lyrios da Escriptura;