testamento, que foi, com efeito, aberto com sofreguidão digna de melhor êxito.
Testamento havia, força é confessar; não já testamento, mas extenso arrazoado todo da letra do velho; barras de ouro, porém, ou maços de notas, nem sombra.
Esfuracou-se a casa de alto a baixo, levantaram-se os soalhos, escutaram-se todas as paredes, quebraram-se os móveis; nada apareceu, nada denunciou esconderijo de riquezas, nem coisa que com isso se avizinhasse.
Descobriu-se então que aquele carola fora um pensador desabusado, antigo admirador de Xavier, o Tiradentes, que nunca tivera vintém e vivera como filósofo, grazinando lá consigo mesmo, de tudo e de todos.
Era o seu testamento uma gargalhada meio de gosto, meio de ironia, atirada de além-túmulo e corroborada pelo legado sarcástico que em pomposo codicilo fazia aos padres do Caraça da sua biblioteca a fim, dizia ele, de ajudar a educação dos mancebos e auxiliar as boas intenções dos seus honrados e virtuosos diretores.
Procuraram-se os tais livros, e topou-se com um baú cheio de obras, em parte devoradas pelo cupim, que foram, incontinenti, entregues às chamas de um grande auto-de-fé. Eram as Ruínas de Volney, 0 Homem da Natureza, as poesias eróticas de Bocage, o Dicionário filosófico de Voltaire, o Citador de Pigault-Lebrun, a Guerra dos Deuses de Parny, os romances do marquês de Sade e outras produções de igual alcance e quilate, algumas até em francês, mas anotadas por leitor assíduo e mais ou menos convencido.