Página:Inspirações do Claustro.djvu/250

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É o caso de dizer com Beranger:

Mais il prêche en sot,
Moi, je ris en sage.

O Monge – pag. 122.

Eu não devia dizer nada acerca desse meu reverso dos Claustros. O exposto no prólogo vale para aqui.

Devo, todavia, confessar que em uma e outra composição há por de mais. Dizem que Napoleão, no rochedo de Santa Helena, exclamara que — não era ateu quem o queria ser. — Há pouco tempo também o grande Kossuth em um célebre — meeting — disse que — se esti­vessem em seu lugar, veriam que tinha febre, quando era obrigado a repetir discursos. — Eu digo uma e outra coisa do poeta, talvez com mais verdade. A inspiração ou a razão, segundo o profundo Cou­sin, — profundo apesar dos padres, — a inspiração ou a razão não é voluntária. A Poesia, isto é, o pensamento inspirado não vem segundo o desejo. Espera-se mais, e dá menos: espera-se menos, e dá mais. Há por isso, duas linguagens para o poeta: uma da inspiração ou da razão: outra do raciocínio ou da inteligência. Há alguma coisa de máquina cartesiana na primeira: porém que máquina sublime!

O Converso – pag. 144.

Quem se horripilou pelo pobre — judeu — horripilar-se-á, com me­lhor razão acaso por este pobre — converso. —

Minha intenção aqui é fazer o libertino, apesar de seu tom de sátira, apesar de si mesmo, dar claramente a preferência à religião cristão. Eu acho que o poeta lírico, — não só o épico, como queria Chateaubriand — deve encerrar o universo. É por essa convicção que, em minhas composições, faço-me, — não céptico, como dirão, não pirrônico sublimado, qual Montaigne, — mais apenas enciclopédico, tome que tem-se tornado tão escandaloso, que se tem hoje mo­dificado pelo de eclético. Eu confesso-me, pois, eclético: quero dizer que tenho a ambição de abarcar o mundo, não como Alexandre em seu todo, mas como os Apícios em seu melhor. Se diviso lá num ponto do céu um crepúsculo de poesia, tomo o pégaso de Homero, ou o anjo de Milton, e para lá me arrojo. Se sonho que numa caverna do abismo esconde-se uma figura poética, para lá me encaminho também pela mão de quem guiou Orfeu, ou pela mão de quem guiou o Dante.

Eu sei que os hipocritamente devassos devotos, — segundo a bela frase do Sr. Lopes de Mendonça, — não gostam disso. Ficam todos com os cabelos eriçados, como se vissem o tal monstro de Virgilio. Esses mesmos, que não poderão ouvir sem horror alguma de minhas insignificantes e mortas canções, estariam preparados para assistir com toda a satisfação religiosa a um auto de fé, hoje, agora, mesmo. Ai! quantos deles não estarão me olhando de revés, sentindo santas saudades da boda Inquisição.

E com efeito, meu livro, Jano de duas faces, figura versátil de Proteu, que vai-se metamorfoseando a cada página, estatua profética de Daniel forjada de não sei quantos metais, e finalmente de barro, — meu livro, pedra de escândalo, insânia de ímpio, ignorância de libertino, que entretanto faz mal, — meu pobre livro merece bem a fogueira, e com ele o renegado, ou o apóstata, que o fabricou.

Eu o reconheço.