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ela ficou largos minutos a namorar a obra. Quanto tempo ali estiveram? Nenhum deles poderia dizê-lo. Silvestre acordou enfim; a sua mão, entre as de Camila, tremia de comoção.

— Não é tudo o que eu sonho, disse ele; mas respiro enfim, porque eu precisava tirar isto de mim.

Camila não lhe disse nada, seu rosto, sereno e expansivo alguns minutos antes, tornara-se sombrio e o olhar aterrado.

— Que é? perguntou Silvestre.

— Não me havia lembrado nunca... este quadro... Se outros o virem, se for exposto ao público... ver-se-á o meu retrato...

— E então?

— Luís não há de querer.

— Mas por quê?

— Ora, você bem sabe... são escrúpulos. Oh! Luís não há de consentir nunca! Mas que loucura foi a nossa?... Eu devia tê-lo impedido desde que você começou.

A comoção crescia; a moça andava de um para outro lado, ora falando a Silvestre, ora consigo, Silvestre fê-la parar, segurando-lhe em uma das mãos.

— Descanse, disse ele.

— Como?

— Não aparecerá o quadro em público.

Os olhos de Camila responderam primeiro que os lábios.

— Sim? disse ela.

— Afianço-lhe.

— Mas...

Descanse; será um quadro de família; ficará no lugar mais escondido da casa, ou no mais público, à vontade do Dr. Borges.

Camila voltou os olhos para o quadro.

— Mas então, disse ela tristemente — perderá você a reputação; seu trabalho não será visto de ninguém.

— Que importa? Eu tinha necessidade de o fazer, não de o expor. É bonito?

— Delicioso!

— Isso me basta!

Silvestre voltou a sentar-se na borda da janela. Aproximando-se a moça, referiu ele minuciosamente toda a sua curta vida, curta para os fatos, longa para os sentimentos. Estes, sobretudo, ninguém os conhecia ainda; só ele podia repetir as comoções sentidas, as lutas ante-